sábado, 12 de maio de 2012

APARIÇÕES DE FÁTIMA




Cercadas de grande mistério em uma Europa amedrontada em 1917 por sucessivas crises, novos movimentos que abalavam as estruturas do velho mundo e à porta da primeira grande guerra, as aparições de Maria, em Fátima, Portugal, foram as mais contundentes manifestações místicas católicas do século XX. Paradoxalmente Fátima é uma das filhas de Muhammad, profeta do Islão, e da sua primeira esposa Cadijalem, portanto, lembrança dos árabes que invadiram e ocuparam a Península Ibérica pela terceira vez entre 1341 a 1492.


Eram tempos em que o positivismo e o materialismo impunham suas ideologias ao mundo da política e das relações sociais. O século XIX que acabara de chegar ao fim, foi pródigo em levantes, insurreições, guerras civis contra a ordem estabelecida em favor da liberdade e da democracia e juntos com esses movimentos, muitas mudanças de costumes considerados imorais pela ótica cristã. O cenário bucólico de Fátima remete saudosamente a épocas perdidas e ao controle medieval da Igreja sobre as populações da Europa.

A Igreja Católica, monárquica e apoiadora das monarquias, embora enfraquecida pela tomada dos antigos territórios pontifícios, via mais uma vez a sua solidez doutrinária abalada, o papa Pio IX já se declarava prisioneiro do Vaticano desde 20 de setembro de 1870, embora que Leão XIII, sensível a questões sociais, já tivesse aberto a igreja para as coisas novas e verificado que o capitalismo e a industrialização eram irreversíveis. Mas o capitalismo era (e é) conservador por isso não foi assim tão difícil à Igreja aceitá-lo e inserir-se neste mesmo modelo econômico, inclusive com seus bens espalhados por toda a terra.

Após relativa paz entre as nações européias no século XIX as rivalidades entre essas nações explodem violentamente em 1914, com o que se designou de Primeira Guerra Mundial. “De um lado estavam Alemanha, Áustria-Hungria, o Império Otomano e a Bulgária (Poderes Centrais/Tríplice Aliança), enquanto que no outro lado estavam a Sérvia e a Tríplice Entente – a elástica coalizão entre França, Reino Unido e Rússia, que ganhou a participação do Reino de Itália em 1915 e dos Estados Unidos em 1917. Embora o Império Russo tenha sido derrotado em 1917 (a guerra foi uma das maiores causas da Revolução Russa, levando à formação da comunista União Soviética), a Entente finalmente prevaleceu no outono de 1918.”4

Foi nesse contexto de grandes incertezas que três crianças pobres de Fátima, em Leiria, Portugal, que cuidavam de rebanhos teriam tido visões, que arrebaratam multidões de portugueses a cada dia 13, que foram inicialmente desacreditadas pelas autoridades eclesiásticas portuguesas, mas posteriormente aceitas inclusive pela Santa Sé, como aparições de Maria, a Mãe de Jesus, conhecida neste episódio místico-religioso como Nossa Senhora de Fátima.

As mensagens das aparições consistiam em várias revelações e profecias apocalípticas sobre o futuro, duas das quais, referentes à 1º e 2º Guerras Mundiais, à conversão política da Rússia e a terceira que foi interpretada pelo Vaticano como sendo o atentado ao Papa João Paulo II na tarde de 13 de maio de 1981.

Segundo Reis, com o olhar histórico-sociológico, “Fátima surgiu-nos, assim, como uma imagem em construção no contexto da enorme tensão existente na sociedade portuguesa entre 1917 e 1930 em torno da questão religiosa. Uma representação elaborada, no caso da nossa análise, por um grupo bem definido e necessariamente atento a fenômenos do tipo de Fátima: os católicos. Ou, mais precisamente, a elite militante dos católicos, aqueles que escreviam nos jornais católicos, os liam e protestavam contra artigos que lhes desagradavam, produzindo, assim, os textos que agora nos servem de fonte. Um objeto cultural produzido no contexto de uma sociedade dominada pela ansiedade relativamente à decadência nacional e por esperanças messiânicas, seculares ou religiosas”.¹

As aparições foram divulgadas pelo mundo afora e a devoção a Nossa Senhora de Fátima. “porém, só em 1930 é que a Igreja (...) reconhece Fátima. Um reconhecimento oficial a que não terá sido alheio (...) o golpe militar de 28 de Maio de 1926. O novo regime, obscurantista católico, saído deste golpe militar e presidido pela dupla Salazar-cardeal Cerejeira, A Senhora de Fátima, com a mensagem retrógrada, moralista e subserviente que lhe é atribuída e que, ainda hoje, vai tão ao encontro da generalidade dos nossos funcionários eclesiásticos católicos e do paganismo religioso-cristão das nossas populações”³

Mesmo quando aceitas pela oficialidade da Igreja, “que, ao contrário do que pensa a maior parte das pessoas, mesmo não católicas, as aparições de Fátima não fazem parte do núcleo da Fé cristã católica, o que quer dizer que se pode não acreditar em Fátima e continuar a ser cristão católico romano”³

Fato foi que por todo o século XX as 'Aparições de Fátima' foi algo muito comentado, principalmente em torno da divulgação de um Terceiro Segredo que era guardado a sete chaves no Vaticano. Havia mil e uma especulações sobre o seu conteúdo. Aberto e divulgado em 26 de julho de 2000, por ordem do papa João Paulo, e interpretada pelo então Cardeal Ratzinger. Divulgado o tal segredo, que não continha algo tão assustador assim, o sensacionalismo midiático sobre Fátima esmoreceu, mas a devoção continua firme principalmente nos meios mais conservadores dos fies católicos.

Até os dias atuais é uma das maiores expressões de devoções marianas conhecidas no mundo. Em Portugal seu santuário é visitado por miliares de turistas, o que significa milhares de euros, inslusive considerado âncora do turismo religioso em Portugal. Segundo o blog Bordado de Murmuriossom, de esmolas são nada menos do que vinte milhões de euros anuais que Fátima arrecada e que o Vaticano pretende administrar.6 Assim, mais do que fé, Fátima significa também dinheiro, empregos permanentes a milhares de trabalhadores portugueses e à indústria do turismo internaciona. Numa Europa em crise o turismo religioso é uma de suas salvações!

Não obstante acalorados debates sobre o fato das "aparições", que vão desde a sua aceitação incondicional, à manipulação da Igreja, a embuste de forças satânicas² (como postulam algumas seitas protestantes), a fenômeno parapsicológico, loucura coletiva ou até de presença de alienígena.

O que me chama atenção nas "aparições" de Nossa Senhora, principalmente aquelas que foram divulgadas no século XIX, tais como Medalha Milagrosa (Paris em 1830), La Salete (Alpes franceses em 1832), Lourdes (França em 1846) todas na Europa e para europeus e voltam-se exclusivamente para o mundo europeu e em seus interesses, naquilo que causa transtorno à Europa, embora a mensagem de Fátima fale ao mundo, ao materialismo, à destruição planetária pelas armas, à crise de fé, à Igreja Católica e suas instituiçoes. Porém não se tem notícia de '"aparições", por exemplo, a nenhuma negra escrava brasileira, ou em denúncia à escravidão, ou apontando o holocausto dos judeus (Maria era judia), ou apontando à exploração de crianças e mulheres, ou de sofridos trabalhadores nas minas, nem tampouco denunciando o colonialismo do século XV ou o neocolonialismo do século XIX que explorou da Ásia à África. Nunca há uma censura mínima ao Capitalismo, mas uma condenação permanente do Socialismo- Comunismo. Terão os céus preferências étnicas, políticas e territoriais? 

Diante de um mundo que teve todo o seu riscado geo-político e moral desfeito por todo o terrível e breve século XX, Fátima, certamente, foi e ainda é uma das maiores revelações marianas e alerta constante ao perigo da guerra, a final 70 milhões de mortos, inúmeráveis destruições e tantas misérias causadas pelas terríveis guerras do século XX é algo a se pensar!

NOTAS/REFERÊNCIAS
1- REIS, Bruno Cardoso. Fátima: a recepção nos diários católicos (1917-1930), in Análise Social, vol. XXXVI (158-159), 2001, 249-299. http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218726389B6wUN4av8Kk06UC7.pdf
2. http://www.adventistas.com/novembro/art06119903.htm
IVEIRA, Mário. Fátima Nunca Mais, 6ª ed., Porto, Campo das Letras, Editores S.A., 1999
3. http://embusteiros.blogspot.com.br/2009/05/fatima-um-embuste-da-igreja-catolica.
4. Wikpedia
5. http://bordadodemurmurios.blogspot.com.br/2006/02/ftima-so-vinte-milhes-de-euros-anuais.html

Texto de Washington Luiz Peixoto Vieira. Imagem:  Montagem do autor.

Atualizado em 13 de maio de 2017.

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